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Entre o velho e o novo – contrastes da Estrada de Benfica

Uma porta sempre aberta

É como diz o ditado: as palavras são como as cerejas, vêm umas atrás das outras. E é assim no número 648 da Estrada de Benfica: conversas, brincadeiras, anedotas e conselhos são coisa que não falta. No “Freixinho Cabeleireiros”, um estabelecimento com quase 100 anos de história, pode contar com um atendimento caloroso do Senhor Freixinho, o proprietário de 63 anos.


Das 18h às 19h foram aqui atendidos quatro clientes. Todos eles saíram satisfeitos, quer com o corte, quer com a companhia e conversa daquele a quem há tanto tempo confiam o corte de cabelo. “O cabelo demora mais tempo a crescer quando o corto aqui”, disse-nos o Senhor António na brincadeira quando lhe perguntámos o porquê de cortar o cabelo no “Freixinho Cabeleireiros”.


Encontrámos um cliente especial que se arrependeu quando cortou o seu cabelo noutra barbearia. João Silva trabalhou na Estrada de Benfica há alguns anos no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Atualmente trabalha em Oeiras, na sede do Laboratório. No entanto, e mesmo apesar de morar em Setúbal, a tradição de cortar o cabelo no “Cabeleireiro Freixinho” mantém-se. “O senhor Freixinho já me tinha chamado à atenção de que o tinha traído com outro”, disse quando na conversa entre cliente e barbeiro se falou das mulheres mais facilmente irem a outro cabeleireiro, quando o seu não podia, do que os homens.


E quem se aqui mantém há 24 anos é o Senhor Freixinho, apesar de triste pela diminuição de clientes. Até porque no seu cabeleireiro já teve, em tempos, a ajuda de quatro colaboradores. Falou-nos do impacto que o corte da estrada de Benfica teve para o seu estabelecimento e, a seu ver, para todo o comércio de Benfica. Disse-nos, em tom de brincadeira, quem é que vai sair daqui de autocarro para comprar uma melancia de 10 quilos aqui na frutaria?”


Apesar de tudo, o Senhor Freixinho é feliz a cortar o cabelo aos seus “filhotes”, como apelida carinhosamente os seus clientes, alguns há cinquenta anos. O que mais o apaixona são as pessoas, as lições que retira todos os dias das conversas que tem com os clientes, os desabafos que partilham, as amizades que se criam. Nesta casa não faltam boa disposição e alegria, o que a torna tão acarinhada por diversas gerações.


Letreiro da Barbearia Fonseca

Com muitos anos de diferença, e na Avenida Gomes Pereira, há uma barbearia vintage que se distingue dos estabelecimentos mais antigos da zona e que abriu há um ano. No entanto, não são só os jovens que cortam o cabelo ou fazem a barba na Barbearia Fonseca, que o diga o senhor Carlos, um morador de Benfica há mais de 50 anos, que encontrámos na Barbearia Fonseca: “A primeira vez que fui à barbearia achei-o (barbeiro) simpático e o corte de cabelo também se adapta ao meu estilo. Ainda assim, os clientes não são apenas de Benfica. Muitos vêm de Massamá e da Portela, por exemplo.


Quando a proposta surgiu Carlos Fonseca, o proprietário do estabelecimento de 31 anos, não hesitou. Depois de a sua barbearia ter estado na Rua Cláudio Nunes, em frente ao cemitério de Benfica, passou para a Estrada de Benfica, na sua opinião uma rua mais movimentada, o que iria ser melhor para o negócio. E a própria escolha de Benfica não foi em vão: Carlos mora aqui há 15 anos, conhece algumas pessoas da freguesia e gosta do ambiente de Benfica. O saldo, esse, tem sido bastante positivo: “A pessoa quando vem aqui à Barbearia Fonseca é quase certo que fica fidelizado”, confessou-nos.


Para Carlos, é necessário que, assim como ele, mais pessoas arrisquem para que em Benfica o comércio se torne mais dinâmico. Às cinco horas da tarde de segunda feira estavam dois clientes a ser atendidos na Barbearia Fonseca e mais dois à espera. Até às sete da tarde, Carlos continua o seu trabalho e a mudar o visual a miúdos e graúdos.


Os chocolates para todos os gostos da Bolachas e Chocolates

Seguindo a artéria de Benfica, encontramos a Bolachas e Chocolates. Apesar de ser uma loja com apenas três anos, tem atraído muitos clientes, seduzidos pelos produtos artesanais.

Maria Edite Silva é cliente habitual e adepta dos produtos deste estabelecimento. Especialmente no Natal, quando vem buscar as azevias e filhós que tanto aprecia. Cliente desde a abertura do espaço, Maria só tem elogios a tecer, não deixando de referir o excelente atendimento tanto do patrão como das duas empregadas.

Numa breve pausa no trabalho, o proprietário Rui Marcos, de 50 anos, revelou-nos como é feita a organização da produção. Ali são feitos bolos, bolachas e até o chocolate. As receitas, essas, estão guardadas no segredo dos deuses. Destaca-se, ainda, o mel caseiro, o azeite, chás de outras partes do mundo e os licores nacionais. Na hora de decidir onde fixar o seu negócio, Rui optou intuitivamente por Benfica. Refere a relação familiar estabelecida com os clientes, encarando esta freguesia como sendo uma verdadeira aldeia dentro duma cidade.


As amêndoas da Sol Posto

Já a Casa de Cafés Solposto é encarada por muitos clientes como uma pequena dispensa. Os poucos metros quadrados não retiram a este negócio o estatuto de uma das lojas âncora de Benfica. Como o proprietário Sérgio Solposto nos confidencia, este negócio familiar com 75 anos disponibiliza aos seus clientes, para além do café, que chega dos quatro cantos do mundo, chás e uma extensa variedade de produtos. Em grandes caixas estão expostos produtos regionais de todos o país. Bolachas, rebuçados e doces de todos os sabores e feitios podem aqui ser comprados a avulso. O preço é feito ao peso. Como, aliás, sempre foi, desde o tempo em que a sua mãe lá trabalhava.


Maria Laurinda, cliente habitual há 46 anos, considera que o segredo da longevidade desta loja se prende com a qualidade dos produtos e com o atendimento. Para esta moradora de Benfica, a casa Solposto é um exemplo de comércio tradicional que, ao contrário de outras lojas, não remou contra a maré das grandes superfícies.


Sérgio Solposto recebe tanto pessoas que moram a escassos metros como clientes de Cascais, Santarém ou Ericeira. O facto de ter clientes fiéis de diferentes cidades e com diferentes idades relaciona-se com o conceito inalterável desta loja, de género familiar e estilo único.


A estender a massa

Jorge, um padeiro que ali trabalha há cerca de trinta anos esclarece ainda: “antigamente vendia-se pão que nem se imagina. Antigamente eram trezentos pães, hoje fazemos 54”. Por essa razão, esta empresa do pão procurou adaptar-se aos tempos mais modernos da estrada de Benfica e, para combater a concorrência feroz, principalmente das superfícies comerciais, começou a produzir outras qualidades de pão e a trabalhar mais horas. “Começámos a trabalhar também de tarde. Dantes só trabalhávamos de noite. Para além disso, agora, também estamos abertos ao domingo”, diz António.


Entrada da Padaria Portuguesa

Mesmo na porta ao lado, a Padaria Portuguesa da Estrada de Benfica, abriu ao público há seis anos. Um conceito inovador, que afirmou posição e estabeleceu-se fortemente no mercado alfacinha. Aqui também se produzem e vendem várias qualidades de pão.

Nas palavras de Rafael Jesus, gerente desta loja da Padaria Portuguesa, “sempre que abrimos um espaço novo, a concorrência fica chateada. Não só pela nossa forma de trabalhar como também pela relação qualidade-preço”. Mas Rafael também reconhece que a população é mais envelhecida, e por essa razão procura-se criar ligações para além do atendimento habitual com o cliente. “Aqui o atendimento é mais pessoal. Cumprimentamos as pessoas, brincamos e damos beijinhos. Tentamos sempre que haja interação e acabam sempre por voltar todos os dias, nem que seja para levarem apenas duas bolas de água”, assegura.


Maria da Conceição é cliente habitual da Padaria Portuguesa e a sua preferência deve-se ao atendimento, que considera ser o mais simpático, para além da variedade de pão que esta loja oferece. Por sua vez, Vítor Alves, também cliente da Padaria Portuguesa considera que o sucesso do local deve-se ao facto do comércio estar um pouco envelhecido. Segundo ele, “é necessário cada vez mais perceber o que é que o cliente quer e pede, adiantando ainda que “uma nova geração começou a empreender mais e começou a mudar-se a mentalidade do comércio tradicional de Benfica”.


Contas feitas, lado a lado, estabelecimentos afastados por décadas de existência, dão vida a esta Estrada. O novo e o antigo continuam a alimentar o comércio de Benfica. Separados pela linha do tempo que muitas vezes é perceptível, outras, nem por isso.


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